Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

terça-feira, 31 de março de 2009

À Sombra do Vulcão

Autora: Maria Manuela Avelar Goulart


A ilha do Pico é uma das nove ilhas, que constituem o Arquipélago dos Açores. O seu nome se deve à imensa montanha, aliás, um vulcão que domina a ilha. É de uma beleza sem igual, porque é uma pirâmide quase perfeita, vista pelo lado norte da ilha. É a montanha mais alta de Portugal e sua altitude é de 2.36l metros, vista do sul lembra enorme gigante que levantando-se do mar a se debruçar sobre a ilha.
No alto do vulcão, um pequeno píncaro que chamam de “piquinho” forma o ápice, indo como a rasgar as nuvens que quase sempre cobrem-lhe o cume. No inverno, com o céu muito azul, a servir de moldura, ele fica muito belo com o seu chapéu branco de neve, e nas frias e serenas manhãs, quando nasce o sol tinge a neve tons rosados. É lindo! A sua altitude e posição especial fazem dele um barômetro seguro, não só para os barcos de carreira, que passam por ali, mas como para o povo das ilhas próximas, e principalmente os pescadores que desejam saber as alterações do tempo. Seus prognósticos são infalíveis e os marinheiros o tem como agulha de marear, quando está coberto de nuvens, denota ventos maréos, como o sudoeste, quando tem só uma cinta de nuvens e todo o resto descoberto, são ventos noroeste e se está com um chapéu, é sinal de mau tempo.
Sempre que tem um pequeno penacho de fumaça, a sair de sua caldeira ainda ativa, pareçe nos fazer lembrar, que está só adormecido e que algum dia pode acordar, e de bonito cartão postal, pode se transformar num monstro fumegante.
A seus pés estende-se a ilha, com suas Vilas e Concelhos e em pequeninas povoações ou lugarejos, ora beirando o mar, ou se empoleirando nas íngremes encostas.
O seu povo é alegre e hospitaleiro e os campos são cultivados com carinho, aproveitando-se cada pedacinho de terra.
A ilha tem um litoral recortado por enseadas, grutas e rochedos e nas noites de lua cheia com o mar alto, é belíssimo. O espetáculo das ondas cobrindo os rochedos como um manto de espumas prateadas, pareçe tirado de um conto aventuras marinhas.
Em certos pontos, vêem-se extensos campos de lavas negras, que o povo ingenuamente chama de mistérios, porque elas vem do mar e atravessam a ilha. Dizem os antigos, que o vulcão tinha rompido as águas do mar e lançado lava tão alta e violenta, que formou aqueles campos. Ainda hoje só nasce ali uma vegetação rasteira; as urzes, principalmente, com suas pequeninas flores perfumadas. Em algumas freguesias, os moradores plantaram figueiras, que se adaptaram bem ao solo e produzem bastante, no verão. As que não são vendidas, fazem com elas uma águardente deliciosa, em pequenos alambiques artesanais. Existem muitos bosques de faias e incensos
, que perfumam o ar com suas flores tão delicadas. Também cultivam vinhedos, com o qual eles fazem um vinho branco ou tinto, para consumo caseiro.
No verão quando passamos pelos campos, nas encostas da ilha, adoramos ver as mulheres nos “poleiros”. Nos campos de trigo dourado, elas fazem pequeninas barracas no meio de cada campo. São feitas com giesta seca, cobrindo uma armação de madeira. Estas mulheres, passam o dia todo ali, até à colheita do trigo, espantando os pássaros. O trigal é todo cercado de cordas com latas penduradas e de quando em quando, elas puxavam o cordão principal, (guia) e as latas se chocam fazendo barulho afugentando os pardais, então para melhor passar o dia naquela solidão, levam o seu tricô ou renda e um farnel, geralmente composto de pão e queijo ou sardinhas, para matar a fome.
A freguesia de São Miguel Arcanjo, fica no alto de um monte, antigo vulcão extinto, é uma vasta floresta de pinheiros. Ali se respira um ar puríssimo e se tem uma vista magnífica, sobre a faixa costeira do Concelho de São Roque, que lhe fica aos pés. Em muitas dessas freguesias se verifica que a ilha foi povoada por diversas etnias, que no passado foram aportando naquelas ilhas. À beira do mistério de Santa Luzia, se formou uma freguesia. Dizem que seu povo é descendente de judeus e é um povo trabalhador e humilde.
A terra não é muito fértil para a agricultura. Em se tratando de hortaliças e legumes, eles só cultivam perto da casa para seu consumo. Então dedicam-se à cultura de maçãs, pêssegos, figos e amoras silvestres, que todos os dias vem vender, por todas as casas das vilas. E também mandam para a ilha do Faial, que fica perto. Também criam gado para corte e leite. Fazem uns queijos frescos, ótimos. As mulheres trabalham muito, colhendo as frutas e vendendo. Elas cobrem a cabeça com os chailes, ou lenços pretos, ou coloridos e usavam saias compridas. Muitos destes agricultores, fazem no meio dos vinhedos, pequenas casas que eles chamam de adegas, onde eles guardavam as pipas com vinho e água doce que era uma raridade. Nos dias de festas, ou de descanso, fazem as suas “patuscadas”, como eles dizem.
A Vila da Madalena não fica longe, e é o principal porto da ilha, que faz a ligação através de pequenas lanchas com a ilha fronteira, o Faial! É ali que chegam os ônibus de todas as partes da ilha, com pessoas que vão e vem ao Faial, por ser a travessia mais curta, apenas ali se embarcam produtos da ilha, frutas, legumes etc. A Madalena é uma vila muito bonita com pequenas ruas e tudo bem cuidado. A igreja de Santa Maria Madalena tem uma praça com coreto, e apenas uma estrada, a separá-la do mar. O lindíssimo altar-mor é todo folheado a ouro. Dizem que ali aportaram diversas raças, entre elas, os árabes, os espanhois, e os marroquinos. As pessoas são alegres, curtidas pelo sol e na maioria são pescadores, que tem seus barcos e que vão todos os dias, ou noites para a pesca. Também cultivam melancias melões e maçãs. A terra é arenosa e no inverno, quando acontecem as grandes tempestades, o mar bravio joga nos rochedos grande quantidade de sargaços, que o povo vinha recolher em cestos redondos, que carregavam na cabeça, para adubar as terras. Há uma estrada reta que é uma aldeia de vinhedos e vai dar num pequeno balneário chamada Areia Larga. Lá moravam os meus avós paternos e eu adorava aquele lugar, era composto quase só de pescadores e havia grandes casarões em estilo colonial, para onde as pessoas ricas e famílias tradicionais do Faial, vinham passar o verão. Encontra-se ali uma faixa de areia escura, talvez, a única da ilha, que o nome ao lugar. O pequeno porto da Areia Larga é a alternativa marítima. Quando o mar está violento demais, no porto da vila da Madalena, as lanchas iam ali, desembarcar os passageiros e mercadorias. Muitas vezes os marinheiros tinham que carregar, as pessoas da lancha para a terra, pois o mar não permitia a lancha atracar. Dizem que entre as duas ilhas, passa a corrente do Golfo, por isso é comum o mar bravio. O verão lá era muito bom. As crianças aprendiam a nadar de um modo engraçado, porque o mar é fundo e há pequenas rochas. Então prendiam uma corda grossa numa cana ou bambu, com uma lona na extremidade, que era passada e amarrada na barriga das crianças, deixando os braços e pernas livres. Um homem segurava e orientava nos movimentos. Em pouco tempo aprendiam a nadar. Todos se conheciam e quase todos eram parentes. A casa dos meus avós paternos havia sido outrora, um pequeno convento. Era um casarão enorme, com um porão altíssimo onde se guardavam enfileirados, os barris com vinho produzido nos vinhedos, que eles cultivavam e ficavam no meio de um terreno, que eles protegiam do mar, com paredes altíssimas, dividindo em grande hortas, que chamavam de cerrados, onde se cultivavam de tudo, principalmente vinhedos e figueiras. Havia um terreiro enorme de cimento, onde se batia tremoços. No tempo das vindimas, era um trabalho duro percorrer todos os pequenos currais, onde se cultivava a vinha, apanhando as uvas brancas douradas de tão maduras, que eram levadas para o lagar ou alagar, que se encontrava num enorme galpão, onde, com prensas de madeira, em forma de rosca, eram espremidas e o suco, depois de pronto, se transformava num vinho muito bom, dourado como mel. O casarão era à beira-mar, separado deste, apenas por um alto muro, porque em dias de tempestade, não se podia entrar pelo portão principal, o mar não deixava. Então entrava-se por uma estreita vereda, nos fundos do terreno. Uma das tradições pesqueiras das Ilhas, era a pesca da baleia. Hoje faz parte de históiria dos Açores! O Pico era um dos principais produtores, com duas fábricas conhecidas como Armações Baleeiras. Das Lajes e no Cais do Pico, saiam para a caça à baleia.
Geralmente saía uma lancha de apoio a uma porção de pequenos botes a remo, finos e longos, chamados de baleeiras. Eles é que caçavam o cachalote, espécie de baleia comum àquelas águas, que às vezes percorriam distâncias imensas antes de morrer. Então a lancha os rebocava para o porto da fábrica. Era engraçado o modo pelo qual eles sabiam que lá longe passavam um cardume. No cimo dos cabeços, haviam pequeninas casas, onde ficavam os vigias, que com binóculos de longo alcance, viam passar os cardumes, que eram localizados pelos jatos d’água que lançavam. Então quando os localizavam, faziam sinais e lá iam os pescadores, que nem sempre eram bem sucedidos. Da baleia se aproveitava tudo. Os dentes viravam finas peças de artesanato, ainda hoje vendidas nas lojas de souvenir das ilhas. Seus ossos e sua carne, eram transformados em adubo e a sua gordura em óleo, geralmente exportado para a Europa. Até as barbatanas eram aproveitadas para fazer travas de colarinho nas camisas. Vale ressaltar que a pesca era artesanal e que muitos homens perderam a vida, naquela aventura. Ao contrário do que acontece hoje, os mestres-arpoadores ou trancadores, usavam arpões manuais.
Pelo mar do Açores dizem que passavam antigamente muitos navios piratas, que às vezes naufragavam e outras vezes se abrigavam nas enseadas, ou iam em busca de água doce. Há marcas dessas passagens em algumas partes das ilhas, como um cais feito em pedras cortadas, com três pequenos degraus, até à linha d’água e por isso foi dado ao povoado, o nome de Cais do Pico. Em algumas cavernas, com entrada pelo mar, foram encontrados utensílios rústicos. Na parte norte da ilha, se encontram algum pequenos conventos, todos eles construídos à beira-mar, sendo que alguns tinham saídas subterrâneas para o mar. O mais bonito deles e o maior, é o convento de São Pedro de Alcântara, que fica no Cais do Pico. Ele difere dos outros, porque é circundado por amplos jardins. Em forma de quadrado. A igreja tomava um dos lados, tem obras belíssimas de entalhe, feitas em madeira e marfim. Trabalho artezanal feito pelos frades com canivete. Ali funcionavam a Câmara do Concelho de São Roque do Pico e o Tribunal de Justiça. No inverno, havia sessões de cinema, na parte inferior, onde esperávamos num jardim central chamado de claustro, com sua cruz de pedra. Hoje ele é um museu.

Nota da Autora: Escrevo com o verbo no presente, pois saí de lá há 50 anos e quando escrevo vejo-me ainda jovem a vivenciar tudo isto.

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O VELHO CAIS


Autor: Manuel Carapinha

Como esquecer o lugar onde nascemos?

Não é possível!

Nas horas em que estamos em silêncio, pensamos na nossa juventude e dos anos, que já lá vão.

Vivi no Cais do Pico, até aos meus 20 anos, mas hoje recordo com saudade, aqueles tempos de derreter baleia, no porto que agora se chama velho. Ele está lá. Co
mo guardião dos velhos tempos a nos lembrar de um passado de glórias e labuta na "caça à baleia". Foguetes para o ar, Baleia! Baleia! – gritavam. A bandeira está estendida no cabeço de SANTA ANA. Botes para o mar. Lanchas prontas para rebocarem os botes. As esposas dos marinheiros com roupa e uma saquinha, com pão e queijo, feito por estas, do leite de suas cabras, criadas com rama de incenso e faia. Seguiam com seus olhos brilhantes, os maridos que iam há procura do pão, para seus filhos, mais tarde se saberia, que o mestre Manuel Januário tinha apanhado uma baleia. Alegria na casa de derreter. Acendia-se o lume, debaixo dos grandes caldeirões, para quando chegasse a baleia, estivesse tudo pronto para se derreter. Verdade! Sucedia assim,. Começa-se a desmanchar o corpo da baleia. Vários homens com celhas. Cada dois homens, com seu pau de palanca, transportam os toucinhos para os caldeirões, quando estes estão derretidos, o que lhe chamavam torresmos, serviam para dar mais atividade ao lume. Nós, rapazes do meu tempo, lá íamos com maçarocas de milho e rodelas de batata doce, para assar no azeite, como era chamado o óleo de baleia. Era muito bom! A casa de derreter ficava situada ao lado da rampa de varar as embarcações. Ao seu lado direito, olhando da terra para o mar, ficava a casa de derreter. Tempo que não mais me esqueço. Em frente da casa de derreter estava a Alfândega, casa de altos e baixos. Os baixos, servindo de armazém de mercadorias, este vigiado pela Guarda Fiscal. No lado, passava a estrada e em frente, ficava o varadouro. Ai havia a loja do Senhor JOSÉ TOMÁS, onde os marinheiros lá iam comprar os seus cigarros e tomar um copinho. Pobreza, alegria de viver, corações vibrando, esperando o fim de ano para fazerem as contas e receber sua soldada, para comprar seu milho para os alimentar no ano seguinte. - Tudo bem; - diz o Senhor JOSÉ MARIA, vindo da América. Rapazes, não esperem muito, porque essa pesca à baleia é comparada com o ovo. O Guarda Fiscal Cota, sem entender nada, pergunta; - como assim? É fácil, a gema é para o patrão, a clara é para pagar os combustíveis e as cascas para vocês baleeiros. Assim termino com “recordar é viver”.

Um abraço ao Velho Cais.

Email do Manuel Carapinha




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sábado, 28 de março de 2009

DESARECEU MAIS UM MESTRE DO CANAL

EM MEMÓRIA DO MESTRE JOSÉ MEDEIROS.
Autor: Francisco Medeiros


Desapareceu do nosso convívio mais um, “Mestre do Canal”. O nosso “CANAL”!*
O Mestre José Medeiros da Rosa Júnior, falecido no mês findo (abril 2002) na Cidade da Horta.
Como ele disse um dia, com um pouco de humor atravessou o canal em “cinquenta mil viagens”, muitas delas, em más condições de mar, quase atingindo o limite da segurança, para transportar doentes em risco de vida, para o hospital da Horta.
Foi numa “Terça-feira do Espirito Santo” há quatro ou cinco anos, no adro da Igreja de Santa Maria Madalena, que me contou, uma autentica odisseia com a lancha “CALHETA”, para retirar de bordo de um navio estrangeiro, um doente em risco de vida, num dia que não foi possível atravessar o Canal, em virtude, do mau tempo do Noroeste ter “tapado” os portos da “Fronteira”.
Acompanhado de um interprete, conseguiu pela rádio, dar indicações ao Comandante, para este posicionar o navio da melhor forma, para retirar de bordo o doente, tendo a tentativa sido coroada de êxito, com o desembarque do doente amarrado a uma maca .
Antes da Construção do actual Porto da Madalena, que veio melhorar as condições de embarque e desembarque de passageiros em segurança, após cinco séculos do povoamento desta ilha, as lanchas do Pico, recorriam não só aos portos da “Fronteira”; Madalena, Areia Larga e Calhau, mas também aos Portos do Cais do Pico, São Mateus e Prainha do Galeão. Portos que pela dificuldade da sua praticabilidade, com mau tempo, fez dos tripulantes das lanchas do Pico, grandes marinheiros, muitos deles pela sua tenacidade, faziam-se ao mar com espirito de bem servir para salvar vidas, tornando-se autênticos heróis. Cabe aqui referir que nunca ficou por transportar para a Ilha do Faial, sempre que tempo o permitia, a qualquer hora do dia ou da noite, um doente que tivesse de ser atendido de urgência no Hospital da Horta.
Muitas “histórias” há para contar, acerca de barcos e marinheiros do “Canal”, algumas com sabor a odisseia trágico-marítima, onde homens de rija tempera, tisnados com o sal do canal, se tornaram mitos na arte de navegar que ainda hoje perduram na nossa memória.
O José Medeiros era um homem da “Fronteira”, nasceu na Areia Larga freguesia da Madalena na Ilha do Pico, a 6 de Fevereiro de 1933, duma família de pescadores, também ele, filho de mestre de “Canal” o Mestre José Medeiros da Rosa, quando as Lanchas eram propriedade dos Lourenços.
Ainda muito jovem, como os seus antepassados, enveredou pela vida do mar onde começou envolver-se na actividade de pescador aprendendo a conhecer e a lidar com o mar.
Durante 27 anos foi tripulante da Empresa das Lanchas do Pico, dos quais, os 3 primeiros como Motorista e os restantes como Mestre e algum tempo dos “Cruzeiros” da Empresa Transmaçor”, proprietária da Empresa das Lanchas do Pico.
Conta-se que numa dessas viagens a lancha “Espalamaca”, ao chegar debaixo de mau tempo ao Porto da Madalena, tendo como mestre o José Medeiros, este dirigiu-se ao Gerente Sr. João Quaresma dizendo:
- Ó Senhor João, as janelas do lado de estibordo da cabina de proa da “Espalamaca”, estão a meter água e os passageiros estão a queixar-se !
Ao que o Sr. João Quaresma respondeu:
- Ó José, as janelas das lanchas, se não metessem água ,as carreiras eram feitas com “Camionetas”.
O José Medeiros, encontrava-se na situação de reforma, e residia na Freguesia das Angustias da Ilha do Faial, tendo falecido após doença prolongada, no dia 21 de Abril findo, com 69 anos de idade.
É tempo de se começar a pensar em “Homenagear”, os MARINHEIROS ANÔNIMOS DA ILHA DO PICO, , que passaram e passam pelo “Canal”: e dele fizeram o seu local de trabalho: “Mestres” “Marinheiros” e “Pescadores” abrangendo todos os tripulantes da ilha do Pico, das “Lanchas de passageiros” dos “Barcos do Pico”, e de “Pesca”, erigindo um monumento na “Fronteira”, adjacente ao actual Porto da Madalena, local privilegiado pela sua amplitude.
Maio 2002
Francisco A. Medeiros.

* - O "Canal" a que se refere o autor, é o braço de mar, que separa a ilha do Pico, com a ilha do Faial. Conhecido e temido por ser tempestuoso, deu título a um livro do escritor terceirence, Vitorino Nemésio, publicado em 1949.
Leia mais:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mau_Tempo_no_Canal
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vitorino_Nem%C3%A9sio



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sexta-feira, 27 de março de 2009

TI’ALBERTO XATINHA E O PAPEL SELADO

Autor: Francisco Medeiros

Aura Avelar César, nasceu em Luanda, e faleceu em 1944, no lugar da Areia Larga. Era filha, de Amélia Ernestina Avelar, poetisa, nascida no concelho da Madalena, casada com António Mariano César Ribeiro, que foi oficial general do exército, também nascido na Madalena.
Filha única, senhora de uma cultura geral muito vasta, que partilhava com os outros, levou-a a ensinar as primeiras letras, a muitas crianças e jovens no lugar de Areia Larga, já que os jovens daquela localidade, atraídos pelo mar, que os seduzia, não estavam motivados para frequentar a escola primária.
Foi neste espaço da sua vida que a levou a apaixonar-se por um daqueles jovens com quem casou, António Joaquim Medeiros, que foi cabo de mar na Areia Larga. Chegou a ensinar francês, língua que dominava, também como o português, aos filhos e outros familiares. Mas a transmissão dos seus conhecimentos não se ficava por aqui, quando surgia uma oportunidade, gostava de os partilhar com os outros, pois as pessoas da localidade, envolvidas nos seus trabalhos, vivendo quase exclusivamente da pesca, não lhes permitia ir mais além.
Um certo dia D. Aura, nome porque era conhecida de toda a gente, em conversa com pessoa da localidade, surgiu a oportunidade de explicar a forma como era fabricado o papel, começado por dizer, que o material mais usado inicialmente, era o algodão, o linho e o cânhamo e mais tarde a polpa de madeira de árvores, por ser mais económico e resistente, devido ao maior comprimento da fibra, especialmente eucaliptos e pinheiros, sendo estes de uma grande variedade.
Esta novidade correu de boca em boca, como sempre acontece nos lugares pequenos e como não podia deixar de ser também ao conhecimento de Alberto Joaquim Medeiros, conhecido por Ti’Alberto Xatinha. Este estando um dia no armazém do barco ao pé do porto da Areia Larga, fazendo uns aparelhos de pesca, entrou lá um seu familiar que lhe disse:
- Ó Ti’Alberto, sabia que o papel é feito de troncos árvores eucaliptos e pinheiros?
O Ti’ Alberto pensou um bocado e depois de algum tempo sai-se com esta!
- Então o papel selado é feito com pinho resinoso!
Naquele tempo, não existia na Ilha do Pico pinho resinoso. Este para cá chegar, tinha de ser importado, o que o tornava o mais caro das espécies de pinhos.
O papel selado era uma folha azul de 25 linhas com um selo impresso com o valor que foi aumentando de com o decorrer do tempo tendo atingido o valor de 60$00. Teve uma longa existência de mais de 300 anos desde o século XVII, com algumas interrupções, até ao século XX acabando por ser extinto em 1986.
Já lá vão 22 anos. Que o diabo seja surdo e vesgo!

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quinta-feira, 26 de março de 2009

O COMÉRCIO DA MINHA TERRA - Anos 45 a 55


Autor: Manuel Carapinha

Eu, sendo muito jovem, com a idade de treze para quatorze anos, trabalhei na padaria da senhora Adelaide Garcia da Costa, no caminho dos piquinhos, Cais do Pico. Desta feita, a dita e muito simpática senhora, me deu a tarefa de distribuidor de pão, ao comércio local. Principiando, pela pensão do Manuel Garcia, depois rumo ao comércio do meu sempre lembrado Cais. São Roque; loja do Magano, ai deixava 10 pães. A senhora me chamava e me dava um doce. Seguia rumo ao senhor João Canário, este sentado a jogar sueca, com seus amigos, dizia:
- Eu, amanhã, te pago o pão. Tira um rebuçado do frasco. E até amanhã!
Seguia meu rumo à loja do senhor Manuel de Olinda; estas lojas de comercio geral. Deixava-lhe o pão que ele assim desejava. Este muito chateado, porque com uma brincadeira, tinha perdido um freguês. E qual a brincadeira, contada pelo próprio.Tendo uma senhora entrado na loja, lhe pergunta:
- O senhor tem banha?
- Tenho; mas é de um porco que morreu,
- Cruzes, diz a senhora. Há, não quero. O senhor tem sal?
- Tenho; mas tem bicho.
A senhora zangada vai embora e o senhor Manuel, fica deveras aborrecido, e não me ligou muito. Deixei o pão; segui rumo ao senhor Manuel António, loja de muita louça de barro. Este, em estado de embriaguez, me manda para a rua e me diz:
- Vai vender pão a outro.
Loja do senhor Manuel da Silva, antiga Casa Âncora; este sempre satisfeito, me dizia:
- Rapaz quantos pães me podes vender?
Uns tantos, eu lhe respondi; neste momento, entra o mestre Carolina:
- Senhor Manuel, tem café de cevada?
- Tenho, mas caldeei favas para render mais, fique com ela.
- Seu malandro, responde o Carolina.
- Fica o senhor Silva muito a rir, por ver a atitude do Carolina. Sigo meu rumo. Loja do senhor José Gomes, homem de aspecto forte e baixo. Estava a falar com a esposa, por meio de um tubo que dava a cozinha. Pára de falar com a esposa e diz-me ele:
- Que queres rapaz?
- Venho trazer o pão.
- Hoje não quero! Podes ir há tua vida e olha, eu não quero mais pão de hoje em diante, estou com muito mau humor. Fiquei triste e com muito medo, porque, fiquei sem saber porque tinha sucedido. Fui para a loja do Fortunato Gomes, o qual era muito divertido, para contar anedotas. Entro e já lhe vou pedindo para me contar uma:
- Pois não meu filho! Como queres bonita ou feia,
- Como o senhor entender digo eu.
E assim foi; ele me diz:
- Olha, quando fores crescido, claro que te vais casar. Lembra-te, que no primeiro mês, ficarás com tua esposa barriguinha com barriginha. No segundo mês, cú com cú. E no terceiro mês, te vai dizer a esposa. Que trazes tu!
Fiquei contente e sempre ri pelo caminho. Faltam duas lojas de comércio geral. A do senhor Adolfo Ferreira, e do senhor Eduardo, estes com loja de fazenda e sapataria; diz o senhor Adolfo:
- Então rapaz. Gostas de estar na padaria?
- Gosto muito! -Minha resposta.
- Então porque não aprendes, a arte de teu avô?
- Não! Porque padeiro é melhor.
Senhor Eduardo muito espirituoso, antigo marinheiro da pesca há baleia, na calheta de Nesquim, atalha:
- Manuel! Porque não vais para pesca da baleia?
- Senhor Eduardo, já pensei nisso, mas ainda sou muito novo para tal.
Findei meu trabalho; regresso há padaria. A senhora Adelaide lá estava com uma sopa deliciosa, para eu comer.
Mas que belos tempos!
Tudo com harmonia.
Minha terra; tempos deveras saudososs; os quais estão sempre em minha memória. Até que o senhor nosso Deus, me chame para Lhe prestar minhas contas.
Um abraço para o povo da ilha do Pico………………
m_carapinha@hotmail.com

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quarta-feira, 25 de março de 2009

O CAIS DO PICO HÁ 50 ANOS

Autor: Francisco Medeiros

Quem não conheceu o Porto do Cais do Pico, há 50 anos e hoje vê o movimento que se gera no novo Molhe-Cais, não faz a mais pequena ideia do que eram as dificuldades porque passavam todos aqueles que estavam ligados ao movimento de passageiros e cargas.
Neste pequeno porto, confluiam tripulantes dos navios, estivadores, marinheiros dos Iates do Pico, que aqui faziam escala e estivadores que procediam ao movimento de passageiros, cargas e descargas dos navios.
O Velho Cais, por onde mais de cinco séculos, se embarcou e desembarcou passageiros e mercadorias nesta banda do Norte da Ilha do Pico, sofreu várias reparações e ampliações, até atingir em 1942, o comprimento de 29 metros, com uma área de cerca de 250 m2. Em 2002, ondulação forte, pôs a descoberto a antiga ponta do cais e pôde verificar-se, por onde no principio do século eram arreados alguns botes baleeiros, em virtude da existência de várias armações baleeiras.
O cais tem duas pequenas escaleiras, uma na parte acostável e outra do lado da rampa de varagem, que só é praticável com a maré cheia. Nesta rampa, que também foi sofrendo reparações e ampliações, na primeira metade do principio do século passado, eram esquartejadas e transformadas em óleo, em caldeiros a fogo directo, as baleias caçadas pelo botes baleeiros do Cais do Pico. Ali varavam todas as embarcações de pesca local, as lanchas da baleia, as lanchas de transportes de passageiros, os barcos de boca aberta que procediam à carga e descarga dos navios que escalavam o porto. Estes barcos ainda faziam a ligação com os portos de São Jorge e Faial, transportando carga e passageiros.
Naquela rampa chegou a varar a Chalupa Helena, que percorreu as nove ilhas dos Açores de Santa Maria ao Corvo, transportando passageiros e carga e a lancha Velas da Empresa das Lanchas do Pico, Ltdª., que fazia uma carreira regular com passageiros, entre o Cais do Pico e Velas. Esta carreira, em virtude da fraca utilização pelas pessoas, foi mais tarde substituída pela lancha José Alexandre, hoje propriedade do Clube Naval, com capacidade para 20 passageiros e mesmo assim, era maior a oferta do que a procura e a Empresa das do Pico, desistiu do concurso àquela carreira.

Havia dias em que estavam ancorados no Porto, o navio da carreira, o Carvalho Araújo com carga e passageiros, o Terceirense a carregar gado e o Terra Alta, atracado ao cais, para movimentar passageiros e carga.
No cais era um pandemónio numa mistura de passageiros, carga e gado, que de todo o Pico, para aqui vinham.
Por vezes, acontecia que o navio da carreira o Carvalho Araújo, quando vinha do continente, chegava ao porto, já depois da meia noite, por vezes com vento fresco e ondulação do noroeste, o que dificultava as operações de desembarque de passageiros e carga. O serviço era feito em más condições de mar e quando as dificuldades se agravavam, o serviço era suspenso e o navio lá ia a caminho do Faial, para completar a descarga no regresso, depois de escalar a Ilha das Flores.
Só para manobrar com o pequeno guindaste manual, que foi da Alfândega do Distrito e que para aqui veio, ajudar nas operações de carga e embarque de gado, eram necessários oito estivadores, quatro às manivelas e quatro para o rodar, mais do que o suficiente para descarregar e descarregar um navio com contentores no novo Molhe-Cais. Numa operação normal, o Carvalho Araújo, ou outro navio, para movimentar carga ou gado, eram ocupados mais de duas dezenas de estivadores.
O Terra Alta operava quase todo o ano, só varava no principio e no fim do verão, para limpar e pintar o fundo ou fazer pequenas reparações. Atracava ao cais por vezes, em muito más condições de mar e quando não era possível, fazia serviço com uma pequena lancha a motor. Com os outros Iates, Santo Amaro e Espirito Santo, que navegavam normalmente de Abril a Outubro, procedia-se da mesma forma, só que estes tinham uma lancha a remos, que era muito utilizada nos portinhos, desde as Velas à Ponta do Topo, na Ilha de São Jorge.
A carga e descarga dos navios, se o tempo o permitia, processava-se continuamente, e quando aqui vinha o navio Girão, com combustíveis em bidões, após a descarga havia que carregar os bidões vazios, que eram rolados rampa abaixo, até próximo do barco e à noite provocavam um barulho, que mantinha acordada a vizinhança.
Agora o Velho Cais está deserto de barcos, das gentes, de marinheiros de baleeiros. Só mar, a ilha em frente e memórias d’outros tempos.
Vila de S. Roque do Pico
Março de 2009
email xatinha@sapo.pt

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terça-feira, 24 de março de 2009

NA MINHA ÉPOCA...


Autor: Manuel Carapinha

Na minha época, quando eras pequenino, o teu avô, senhor Manuel Maria, me dava 20 centavos, para eu dar á manivela na ventoinha a carvão e pôr a camioneta a vapor a trabalhar, para fazer viagem do Cais do Pico à Madalena. Belos tempos miséria. Mas havia alegria de viver.

Eu te digo, meu nobre amigo, que tenho 74 anos e me lembro de muita coisa do nosso Pico, pois ainda ontem, vieram-me trazer um ch
erne. Um pescador que lhe ensinei uma marca da Ponta dos Rosais, aqui de São Jorge. Ele foi lá certinho. Memória não me falta, graças a Deus, mas a saúde é que é pouca.

Vendia-se o peixe que se apanhava na Ponta dos Rosais. O Henrique Caneca o Manuel Fula o meu tio Serafim Aldeia. No porto, os marinheiros, um a escamar e os outros a partirem os congros e os chernes para se vender aos cambulhões. Hoje não há nada disso, Todos tínhamos nossos porcos para matar fim de ano, tínhamos cabras para nos dar o leite, para a alimentação da casa tínhamos o milho, que se comprava em São Roque, ou então íamos há Feteira , na ilha do Faial, comprar o milho para o ano inteiro. Cada saca de milho custava 50$00. Muito se penava, mas havia saúde e sempre boa disposição. Hoje é imundice, raivas. Nada de disciplina. Está mesmo muito mau!

O primeiro Cabo de Mar que eu conheci no Cais do Pico, foi Senhor Freitas. Bom homem, de categoria. Faleceu nas Flores. estaria hoje com mais de 90 anos.
Foto do Carvalho Araújo. Única ligação para cargas e passageiros com o Continente.
Tens que por ai no teu blog, as dificuldades que havia, pois não tínhamos estrada a atravessar a serra para chegar às Lages. Para veres a dificuldade, Manuel Oscar, filho do João Caneca sendo maquinista das lanchas da baleia, estava limpando com gasolina o motor da lancha Marota, de repente, irrompe o fogo e se alastra para o Oscar que estava de fato macaco. Nesta altura tínhamos baleia na rampa. Ele se pôs ao mar, mas ficou deveras queimado, de forma que o senhor Dr. Tibério não lhe dava cura. Eu, Manuel Rodrigues Carapinha, trabalhador e baleeiro fui pela serra, à casa de um curandeiro das Lages. Ele me deu uma garrafa de litro, com um medicamento caseiro. Vim muito contente, porque o homem me disse que o ia curar verdade. Assim fui ás Lages, mais duas vezes e salvamos o Oscar, que ainda hoje está vivo, no Canadá.

Eu fui marinheiro nas lanchas da Madalena. Meu mestre, o senhor José Medeiros, filho de uma irmã do teu bisavô, da Areia Larga, um grande timoneiro de elevado nível, consciencioso para com os seus marinheiros e com os seus passageiros, não sei se o conhecestes, era um homem de grandes sentimentos.

Senhor Manuel Emilio Herz dono do barco Picoense. Senhor José Cristiano de Sousa, dono do barco
Picaroto. Estes faziam viagens para o Faial. Levavam lenha e traziam ferro, cimento, cal e varias mercadorias. Sendo este o transporte mais barato, do que se viesse pela Madalena, por terra.

Aqui alguns nomes dos bravos marinheiros: Mestre Ricardo do Picoense, mestre Manuel Soares, do Picaroto, homens sem medo do mar. Corajosos, navegando, por vezes ,com o mar bravio, pois tinham de trabalhar da forma mais dura, para o sustento da família. Como não lembrar estes tempos de amargura, de trabalho árduo, dos velhos marinheiros, destemidos, desbravadores das tempestades. Sempre se faziam ao mar, ao peixe e quando o mar assim não deixava, se entranhavam nas suas terras, cultivando couves, batatas o milho, enfim, o necessário, para seu alimento familiar.

Mestre Paulino, carpinteiro, profissional, alimentava seus familiares com grande esforço, fabricando belos instrumentos musicais, como guitarras, violas, violões. Morreu na miséria sem que o aluguel o pudesse socorrer, pois a pobreza, girava por todo o lado. Mestre Joaquim, sapateiro de grande nível. Poucos lhe deram um grande apreço., morreu tristemente. Mestre José Urbano, barbeiro, homem estimado por todos. Mestre Nico, mestre de construção naval, valorizando as embarcações da nossa terra. Saudades destes grandes mestres. o que pouco ou nada se fala. Desejo transmitir, estas minhas simples palavras aos nossos sucessores, que, creio eu, serão relembradas.
m_carapinha@hotmail.com

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segunda-feira, 23 de março de 2009

CRONICA DE UMA ODISSEIA NA CAÇA À BALEIA


Autor: Francisco Medeiros

Gabriel de Cunha Santos, tinha o alcunho de “O Rato”. Nasceu em Santa Cruz na Ilha Graciosa, em 1925. Foi baleeiro muitos anos e possuía carta de trancador e de arrais, do tráfego local. Nesta qualidade, foi mestre da lancha da baleia “Estefânia Correia”, construída na Vila das Velas pelo Mestre Gambão e registada na pesca da baleia em Santa Cruz da Graciosa.
No fim do verão do ano de 1950, do século passado, apareceu um cardume de baleias a cerca de 20 milhas ao Norte da Ilha Graciosa.
Lanchas e botes da armação baleeira da ilha rumaram para o local do avistamento. Todas as manobras inerentes, se passam na caça, o esforço do produto da arreada, após de mais um dia como tantos outros, saldou-se em duas baleias. Após as operações de anos de experiência, as baleias foram preparadas para o reboque, tendo os botes regressado à Ilha Graciosa.
Estava-se a meio da tarde daquele dia, Amarradas as baleias à lancha “Estefânia Correia”, que se encontrava no arraial, deu-se inicio ao reboque das baleias com destino à fábrica da baleia do Cais do Pico, a norte da ilha do Pico.
Pela tarde fora daquele dia, o Sol foi desaparecendo e com ele uma aragem de sudoeste, foi aumentando de intensidade com vento e mar que foi aumentando com altas vagas de mar, que lhes dificultava a manobra, obrigando à redução da velocidade da lancha. Mestre Gabriel chamou o motorista Vivaldo Silva também natural daquela Ilha, e resolveram aumentar o comprimento do cabo de reboque que lhes facilitou melhor manobra e consequente velocidade.
Com o rumo à Ilha de São Jorge tendo o farol da Ponta do Rosais, por estibordo, a visibilidade era bastante reduzida, dado que começaram a ser fustigados por aguaceiros e mar, pela proa. Foram-se aproximando desta ilha, para lhes dar abrigo rumando, ao que lhes parecia, para próximo das fajãs do Norte, onde permaneceram por largo tempo junto à costa.
Com o vento e mar tivessem abrandado, com receio de que rondasse para noroeste, resolveram continuar, tendo passado a Ponta dos Rosais, com muito mar tendo arribado, até Baia das Arraias, perto do Morro das Velas, onde se abrigaram.
Em terra, tanto na Graciosa, como no Cais do Pico, a lancha foi dada como desaparecida em virtude de não haver noticias dos seu avistamento, até que, no segundo dia de manhã, o faroleiro João Raulino do Farol da Ponta dos Rosais, para onde tinha sido pedido ajuda, informou à fábrica do Cais do Pico, que a lancha se encontrava ali naquela baia, para onde seguiu uma traineira da pesca do atum, mandada pelo armador António Tavares de Melo. para lhe prestar auxilio e rebocar as baleias.
Esta história foi-me contada pelo Gabriel Cunha, aqui no Cais do Pico, onde se encontrava de visita, em Agosto de 2004.
Gabriel da Cunha Santos, emigrou para os Estado Unidos Unidos, com a família, bem como o motorista Vivaldo Silva.
A lancha “Estefânia Correia” foi mais uma daquelas, que por esse Arquipélago fora, supriram a falta de hospitais, pois transportou muitos doentes daquela Ilha, para o Hospital da Ilha Terceira.

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À Sombra do Vulcão

Autora: Maria Manuela Avelar Goulart


A ilha do Pico é uma das nove ilhas, que constituem o Arquipélago dos Açores. O seu nome se deve à imensa montanha, aliás, um vulcão que domina a ilha. É de uma beleza sem igual, porque é uma pirâmide quase perfeita, vista pelo lado norte da ilha. É a montanha mais alta de Portugal e sua altitude é de 2.36l metros, vista do sul lembra enorme gigante que levantando-se do mar a se debruçar sobre a ilha.
No alto do vulcão, um pequeno píncaro que chamam de “piquinho” forma o ápice, indo como a rasgar as nuvens que quase sempre cobrem-lhe o cume. No inverno, com o céu muito azul, a servir de moldura, ele fica muito belo com o seu chapéu branco de neve, e nas frias e serenas manhãs, quando nasce o sol tinge a neve tons rosados. É lindo! A sua altitude e posição especial fazem dele um barômetro seguro, não só para os barcos de carreira, que passam por ali, mas como para o povo das ilhas próximas, e principalmente os pescadores que desejam saber as alterações do tempo. Seus prognósticos são infalíveis e os marinheiros o tem como agulha de marear, quando está coberto de nuvens, denota ventos maréos, como o sudoeste, quando tem só uma cinta de nuvens e todo o resto descoberto, são ventos noroeste e se está com um chapéu, é sinal de mau tempo.
Sempre que tem um pequeno penacho de fumaça, a sair de sua caldeira ainda ativa, pareçe nos fazer lembrar, que está só adormecido e que algum dia pode acordar, e de bonito cartão postal, pode se transformar num monstro fumegante.
A seus pés estende-se a ilha, com suas Vilas e Concelhos e em pequeninas povoações ou lugarejos, ora beirando o mar, ou se empoleirando nas íngremes encostas.
O seu povo é alegre e hospitaleiro e os campos são cultivados com carinho, aproveitando-se cada pedacinho de terra.
A ilha tem um litoral recortado por enseadas, grutas e rochedos e nas noites de lua cheia com o mar alto, é belíssimo. O espetáculo das ondas cobrindo os rochedos como um manto de espumas prateadas, pareçe tirado de um conto aventuras marinhas.
Em certos pontos, vêem-se extensos campos de lavas negras, que o povo ingenuamente chama de mistérios, porque elas vem do mar e atravessam a ilha. Dizem os antigos, que o vulcão tinha rompido as águas do mar e lançado lava tão alta e violenta, que formou aqueles campos. Ainda hoje só nasce ali uma vegetação rasteira; as urzes, principalmente, com suas pequeninas flores perfumadas. Em algumas freguesias, os moradores plantaram figueiras, que se adaptaram bem ao solo e produzem bastante, no verão. As que não são vendidas, fazem com elas uma águardente deliciosa, em pequenos alambiques artesanais. Existem muitos bosques de faias e incensos
, que perfumam o ar com suas flores tão delicadas. Também cultivam vinhedos, com o qual eles fazem um vinho branco ou tinto, para consumo caseiro.
No verão quando passamos pelos campos, nas encostas da ilha, adoramos ver as mulheres nos “poleiros”. Nos campos de trigo dourado, elas fazem pequeninas barracas no meio de cada campo. São feitas com giesta seca, cobrindo uma armação de madeira. Estas mulheres, passam o dia todo ali, até à colheita do trigo, espantando os pássaros. O trigal é todo cercado de cordas com latas penduradas e de quando em quando, elas puxavam o cordão principal, (guia) e as latas se chocam fazendo barulho afugentando os pardais, então para melhor passar o dia naquela solidão, levam o seu tricô ou renda e um farnel, geralmente composto de pão e queijo ou sardinhas, para matar a fome.
A freguesia de São Miguel Arcanjo, fica no alto de um monte, antigo vulcão extinto, é uma vasta floresta de pinheiros. Ali se respira um ar puríssimo e se tem uma vista magnífica, sobre a faixa costeira do Concelho de São Roque, que lhe fica aos pés. Em muitas dessas freguesias se verifica que a ilha foi povoada por diversas etnias, que no passado foram aportando naquelas ilhas. À beira do mistério de Santa Luzia, se formou uma freguesia. Dizem que seu povo é descendente de judeus e é um povo trabalhador e humilde.
A terra não é muito fértil para a agricultura. Em se tratando de hortaliças e legumes, eles só cultivam perto da casa para seu consumo. Então dedicam-se à cultura de maçãs, pêssegos, figos e amoras silvestres, que todos os dias vem vender, por todas as casas das vilas. E também mandam para a ilha do Faial, que fica perto. Também criam gado para corte e leite. Fazem uns queijos frescos, ótimos. As mulheres trabalham muito, colhendo as frutas e vendendo. Elas cobrem a cabeça com os chailes, ou lenços pretos, ou coloridos e usavam saias compridas. Muitos destes agricultores, fazem no meio dos vinhedos, pequenas casas que eles chamam de adegas, onde eles guardavam as pipas com vinho e água doce que era uma raridade. Nos dias de festas, ou de descanso, fazem as suas “patuscadas”, como eles dizem.
A Vila da Madalena não fica longe, e é o principal porto da ilha, que faz a ligação através de pequenas lanchas com a ilha fronteira, o Faial! É ali que chegam os ônibus de todas as partes da ilha, com pessoas que vão e vem ao Faial, por ser a travessia mais curta, apenas ali se embarcam produtos da ilha, frutas, legumes etc. A Madalena é uma vila muito bonita com pequenas ruas e tudo bem cuidado. A igreja de Santa Maria Madalena tem uma praça com coreto, e apenas uma estrada, a separá-la do mar. O lindíssimo altar-mor é todo folheado a ouro. Dizem que ali aportaram diversas raças, entre elas, os árabes, os espanhois, e os marroquinos. As pessoas são alegres, curtidas pelo sol e na maioria são pescadores, que tem seus barcos e que vão todos os dias, ou noites para a pesca. Também cultivam melancias melões e maçãs. A terra é arenosa e no inverno, quando acontecem as grandes tempestades, o mar bravio joga nos rochedos grande quantidade de sargaços, que o povo vinha recolher em cestos redondos, que carregavam na cabeça, para adubar as terras. Há uma estrada reta que é uma aldeia de vinhedos e vai dar num pequeno balneário chamada Areia Larga. Lá moravam os meus avós paternos e eu adorava aquele lugar, era composto quase só de pescadores e havia grandes casarões em estilo colonial, para onde as pessoas ricas e famílias tradicionais do Faial, vinham passar o verão. Encontra-se ali uma faixa de areia escura, talvez, a única da ilha, que o nome ao lugar. O pequeno porto da Areia Larga é a alternativa marítima. Quando o mar está violento demais, no porto da vila da Madalena, as lanchas iam ali, desembarcar os passageiros e mercadorias. Muitas vezes os marinheiros tinham que carregar, as pessoas da lancha para a terra, pois o mar não permitia a lancha atracar. Dizem que entre as duas ilhas, passa a corrente do Golfo, por isso é comum o mar bravio. O verão lá era muito bom. As crianças aprendiam a nadar de um modo engraçado, porque o mar é fundo e há pequenas rochas. Então prendiam uma corda grossa numa cana ou bambu, com uma lona na extremidade, que era passada e amarrada na barriga das crianças, deixando os braços e pernas livres. Um homem segurava e orientava nos movimentos. Em pouco tempo aprendiam a nadar. Todos se conheciam e quase todos eram parentes. A casa dos meus avós paternos havia sido outrora, um pequeno convento. Era um casarão enorme, com um porão altíssimo onde se guardavam enfileirados, os barris com vinho produzido nos vinhedos, que eles cultivavam e ficavam no meio de um terreno, que eles protegiam do mar, com paredes altíssimas, dividindo em grande hortas, que chamavam de cerrados, onde se cultivavam de tudo, principalmente vinhedos e figueiras. Havia um terreiro enorme de cimento, onde se batia tremoços. No tempo das vindimas, era um trabalho duro percorrer todos os pequenos currais, onde se cultivava a vinha, apanhando as uvas brancas douradas de tão maduras, que eram levadas para o lagar ou alagar, que se encontrava num enorme galpão, onde, com prensas de madeira, em forma de rosca, eram espremidas e o suco, depois de pronto, se transformava num vinho muito bom, dourado como mel. O casarão era à beira-mar, separado deste, apenas por um alto muro, porque em dias de tempestade, não se podia entrar pelo portão principal, o mar não deixava. Então entrava-se por uma estreita vereda, nos fundos do terreno. Uma das tradições pesqueiras das Ilhas, era a pesca da baleia. Hoje faz parte de históiria dos Açores! O Pico era um dos principais produtores, com duas fábricas conhecidas como Armações Baleeiras. Das Lajes e no Cais do Pico, saiam para a caça à baleia.
Geralmente saía uma lancha de apoio a uma porção de pequenos botes a remo, finos e longos, chamados de baleeiras. Eles é que caçavam o cachalote, espécie de baleia comum àquelas águas, que às vezes percorriam distâncias imensas antes de morrer. Então a lancha os rebocava para o porto da fábrica. Era engraçado o modo pelo qual eles sabiam que lá longe passavam um cardume. No cimo dos cabeços, haviam pequeninas casas, onde ficavam os vigias, que com binóculos de longo alcance, viam passar os cardumes, que eram localizados pelos jatos d’água que lançavam. Então quando os localizavam, faziam sinais e lá iam os pescadores, que nem sempre eram bem sucedidos. Da baleia se aproveitava tudo. Os dentes viravam finas peças de artesanato, ainda hoje vendidas nas lojas de souvenir das ilhas. Seus ossos e sua carne, eram transformados em adubo e a sua gordura em óleo, geralmente exportado para a Europa. Até as barbatanas eram aproveitadas para fazer travas de colarinho nas camisas. Vale ressaltar que a pesca era artesanal e que muitos homens perderam a vida, naquela aventura. Ao contrário do que acontece hoje, os mestres-arpoadores ou trancadores, usavam arpões manuais.
Pelo mar do Açores dizem que passavam antigamente muitos navios piratas, que às vezes naufragavam e outras vezes se abrigavam nas enseadas, ou iam em busca de água doce. Há marcas dessas passagens em algumas partes das ilhas, como um cais feito em pedras cortadas, com três pequenos degraus, até à linha d’água e por isso foi dado ao povoado, o nome de Cais do Pico. Em algumas cavernas, com entrada pelo mar, foram encontrados utensílios rústicos. Na parte norte da ilha, se encontram algum pequenos conventos, todos eles construídos à beira-mar, sendo que alguns tinham saídas subterrâneas para o mar. O mais bonito deles e o maior, é o convento de São Pedro de Alcântara, que fica no Cais do Pico. Ele difere dos outros, porque é circundado por amplos jardins. Em forma de quadrado. A igreja tomava um dos lados, tem obras belíssimas de entalhe, feitas em madeira e marfim. Trabalho artezanal feito pelos frades com canivete. Ali funcionavam a Câmara do Concelho de São Roque do Pico e o Tribunal de Justiça. No inverno, havia sessões de cinema, na parte inferior, onde esperávamos num jardim central chamado de claustro, com sua cruz de pedra. Hoje ele é um museu.

Nota da Autora: Escrevo com o verbo no presente, pois saí de lá há 50 anos e quando escrevo vejo-me ainda jovem a vivenciar tudo isto.


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