Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

terça-feira, 24 de março de 2009

NA MINHA ÉPOCA...


Autor: Manuel Carapinha

Na minha época, quando eras pequenino, o teu avô, senhor Manuel Maria, me dava 20 centavos, para eu dar á manivela na ventoinha a carvão e pôr a camioneta a vapor a trabalhar, para fazer viagem do Cais do Pico à Madalena. Belos tempos miséria. Mas havia alegria de viver.

Eu te digo, meu nobre amigo, que tenho 74 anos e me lembro de muita coisa do nosso Pico, pois ainda ontem, vieram-me trazer um ch
erne. Um pescador que lhe ensinei uma marca da Ponta dos Rosais, aqui de São Jorge. Ele foi lá certinho. Memória não me falta, graças a Deus, mas a saúde é que é pouca.

Vendia-se o peixe que se apanhava na Ponta dos Rosais. O Henrique Caneca o Manuel Fula o meu tio Serafim Aldeia. No porto, os marinheiros, um a escamar e os outros a partirem os congros e os chernes para se vender aos cambulhões. Hoje não há nada disso, Todos tínhamos nossos porcos para matar fim de ano, tínhamos cabras para nos dar o leite, para a alimentação da casa tínhamos o milho, que se comprava em São Roque, ou então íamos há Feteira , na ilha do Faial, comprar o milho para o ano inteiro. Cada saca de milho custava 50$00. Muito se penava, mas havia saúde e sempre boa disposição. Hoje é imundice, raivas. Nada de disciplina. Está mesmo muito mau!

O primeiro Cabo de Mar que eu conheci no Cais do Pico, foi Senhor Freitas. Bom homem, de categoria. Faleceu nas Flores. estaria hoje com mais de 90 anos.
Foto do Carvalho Araújo. Única ligação para cargas e passageiros com o Continente.
Tens que por ai no teu blog, as dificuldades que havia, pois não tínhamos estrada a atravessar a serra para chegar às Lages. Para veres a dificuldade, Manuel Oscar, filho do João Caneca sendo maquinista das lanchas da baleia, estava limpando com gasolina o motor da lancha Marota, de repente, irrompe o fogo e se alastra para o Oscar que estava de fato macaco. Nesta altura tínhamos baleia na rampa. Ele se pôs ao mar, mas ficou deveras queimado, de forma que o senhor Dr. Tibério não lhe dava cura. Eu, Manuel Rodrigues Carapinha, trabalhador e baleeiro fui pela serra, à casa de um curandeiro das Lages. Ele me deu uma garrafa de litro, com um medicamento caseiro. Vim muito contente, porque o homem me disse que o ia curar verdade. Assim fui ás Lages, mais duas vezes e salvamos o Oscar, que ainda hoje está vivo, no Canadá.

Eu fui marinheiro nas lanchas da Madalena. Meu mestre, o senhor José Medeiros, filho de uma irmã do teu bisavô, da Areia Larga, um grande timoneiro de elevado nível, consciencioso para com os seus marinheiros e com os seus passageiros, não sei se o conhecestes, era um homem de grandes sentimentos.

Senhor Manuel Emilio Herz dono do barco Picoense. Senhor José Cristiano de Sousa, dono do barco
Picaroto. Estes faziam viagens para o Faial. Levavam lenha e traziam ferro, cimento, cal e varias mercadorias. Sendo este o transporte mais barato, do que se viesse pela Madalena, por terra.

Aqui alguns nomes dos bravos marinheiros: Mestre Ricardo do Picoense, mestre Manuel Soares, do Picaroto, homens sem medo do mar. Corajosos, navegando, por vezes ,com o mar bravio, pois tinham de trabalhar da forma mais dura, para o sustento da família. Como não lembrar estes tempos de amargura, de trabalho árduo, dos velhos marinheiros, destemidos, desbravadores das tempestades. Sempre se faziam ao mar, ao peixe e quando o mar assim não deixava, se entranhavam nas suas terras, cultivando couves, batatas o milho, enfim, o necessário, para seu alimento familiar.

Mestre Paulino, carpinteiro, profissional, alimentava seus familiares com grande esforço, fabricando belos instrumentos musicais, como guitarras, violas, violões. Morreu na miséria sem que o aluguel o pudesse socorrer, pois a pobreza, girava por todo o lado. Mestre Joaquim, sapateiro de grande nível. Poucos lhe deram um grande apreço., morreu tristemente. Mestre José Urbano, barbeiro, homem estimado por todos. Mestre Nico, mestre de construção naval, valorizando as embarcações da nossa terra. Saudades destes grandes mestres. o que pouco ou nada se fala. Desejo transmitir, estas minhas simples palavras aos nossos sucessores, que, creio eu, serão relembradas.
m_carapinha@hotmail.com

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