Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

terça-feira, 31 de março de 2009

À Sombra do Vulcão

Autora: Maria Manuela Avelar Goulart


A ilha do Pico é uma das nove ilhas, que constituem o Arquipélago dos Açores. O seu nome se deve à imensa montanha, aliás, um vulcão que domina a ilha. É de uma beleza sem igual, porque é uma pirâmide quase perfeita, vista pelo lado norte da ilha. É a montanha mais alta de Portugal e sua altitude é de 2.36l metros, vista do sul lembra enorme gigante que levantando-se do mar a se debruçar sobre a ilha.
No alto do vulcão, um pequeno píncaro que chamam de “piquinho” forma o ápice, indo como a rasgar as nuvens que quase sempre cobrem-lhe o cume. No inverno, com o céu muito azul, a servir de moldura, ele fica muito belo com o seu chapéu branco de neve, e nas frias e serenas manhãs, quando nasce o sol tinge a neve tons rosados. É lindo! A sua altitude e posição especial fazem dele um barômetro seguro, não só para os barcos de carreira, que passam por ali, mas como para o povo das ilhas próximas, e principalmente os pescadores que desejam saber as alterações do tempo. Seus prognósticos são infalíveis e os marinheiros o tem como agulha de marear, quando está coberto de nuvens, denota ventos maréos, como o sudoeste, quando tem só uma cinta de nuvens e todo o resto descoberto, são ventos noroeste e se está com um chapéu, é sinal de mau tempo.
Sempre que tem um pequeno penacho de fumaça, a sair de sua caldeira ainda ativa, pareçe nos fazer lembrar, que está só adormecido e que algum dia pode acordar, e de bonito cartão postal, pode se transformar num monstro fumegante.
A seus pés estende-se a ilha, com suas Vilas e Concelhos e em pequeninas povoações ou lugarejos, ora beirando o mar, ou se empoleirando nas íngremes encostas.
O seu povo é alegre e hospitaleiro e os campos são cultivados com carinho, aproveitando-se cada pedacinho de terra.
A ilha tem um litoral recortado por enseadas, grutas e rochedos e nas noites de lua cheia com o mar alto, é belíssimo. O espetáculo das ondas cobrindo os rochedos como um manto de espumas prateadas, pareçe tirado de um conto aventuras marinhas.
Em certos pontos, vêem-se extensos campos de lavas negras, que o povo ingenuamente chama de mistérios, porque elas vem do mar e atravessam a ilha. Dizem os antigos, que o vulcão tinha rompido as águas do mar e lançado lava tão alta e violenta, que formou aqueles campos. Ainda hoje só nasce ali uma vegetação rasteira; as urzes, principalmente, com suas pequeninas flores perfumadas. Em algumas freguesias, os moradores plantaram figueiras, que se adaptaram bem ao solo e produzem bastante, no verão. As que não são vendidas, fazem com elas uma águardente deliciosa, em pequenos alambiques artesanais. Existem muitos bosques de faias e incensos
, que perfumam o ar com suas flores tão delicadas. Também cultivam vinhedos, com o qual eles fazem um vinho branco ou tinto, para consumo caseiro.
No verão quando passamos pelos campos, nas encostas da ilha, adoramos ver as mulheres nos “poleiros”. Nos campos de trigo dourado, elas fazem pequeninas barracas no meio de cada campo. São feitas com giesta seca, cobrindo uma armação de madeira. Estas mulheres, passam o dia todo ali, até à colheita do trigo, espantando os pássaros. O trigal é todo cercado de cordas com latas penduradas e de quando em quando, elas puxavam o cordão principal, (guia) e as latas se chocam fazendo barulho afugentando os pardais, então para melhor passar o dia naquela solidão, levam o seu tricô ou renda e um farnel, geralmente composto de pão e queijo ou sardinhas, para matar a fome.
A freguesia de São Miguel Arcanjo, fica no alto de um monte, antigo vulcão extinto, é uma vasta floresta de pinheiros. Ali se respira um ar puríssimo e se tem uma vista magnífica, sobre a faixa costeira do Concelho de São Roque, que lhe fica aos pés. Em muitas dessas freguesias se verifica que a ilha foi povoada por diversas etnias, que no passado foram aportando naquelas ilhas. À beira do mistério de Santa Luzia, se formou uma freguesia. Dizem que seu povo é descendente de judeus e é um povo trabalhador e humilde.
A terra não é muito fértil para a agricultura. Em se tratando de hortaliças e legumes, eles só cultivam perto da casa para seu consumo. Então dedicam-se à cultura de maçãs, pêssegos, figos e amoras silvestres, que todos os dias vem vender, por todas as casas das vilas. E também mandam para a ilha do Faial, que fica perto. Também criam gado para corte e leite. Fazem uns queijos frescos, ótimos. As mulheres trabalham muito, colhendo as frutas e vendendo. Elas cobrem a cabeça com os chailes, ou lenços pretos, ou coloridos e usavam saias compridas. Muitos destes agricultores, fazem no meio dos vinhedos, pequenas casas que eles chamam de adegas, onde eles guardavam as pipas com vinho e água doce que era uma raridade. Nos dias de festas, ou de descanso, fazem as suas “patuscadas”, como eles dizem.
A Vila da Madalena não fica longe, e é o principal porto da ilha, que faz a ligação através de pequenas lanchas com a ilha fronteira, o Faial! É ali que chegam os ônibus de todas as partes da ilha, com pessoas que vão e vem ao Faial, por ser a travessia mais curta, apenas ali se embarcam produtos da ilha, frutas, legumes etc. A Madalena é uma vila muito bonita com pequenas ruas e tudo bem cuidado. A igreja de Santa Maria Madalena tem uma praça com coreto, e apenas uma estrada, a separá-la do mar. O lindíssimo altar-mor é todo folheado a ouro. Dizem que ali aportaram diversas raças, entre elas, os árabes, os espanhois, e os marroquinos. As pessoas são alegres, curtidas pelo sol e na maioria são pescadores, que tem seus barcos e que vão todos os dias, ou noites para a pesca. Também cultivam melancias melões e maçãs. A terra é arenosa e no inverno, quando acontecem as grandes tempestades, o mar bravio joga nos rochedos grande quantidade de sargaços, que o povo vinha recolher em cestos redondos, que carregavam na cabeça, para adubar as terras. Há uma estrada reta que é uma aldeia de vinhedos e vai dar num pequeno balneário chamada Areia Larga. Lá moravam os meus avós paternos e eu adorava aquele lugar, era composto quase só de pescadores e havia grandes casarões em estilo colonial, para onde as pessoas ricas e famílias tradicionais do Faial, vinham passar o verão. Encontra-se ali uma faixa de areia escura, talvez, a única da ilha, que o nome ao lugar. O pequeno porto da Areia Larga é a alternativa marítima. Quando o mar está violento demais, no porto da vila da Madalena, as lanchas iam ali, desembarcar os passageiros e mercadorias. Muitas vezes os marinheiros tinham que carregar, as pessoas da lancha para a terra, pois o mar não permitia a lancha atracar. Dizem que entre as duas ilhas, passa a corrente do Golfo, por isso é comum o mar bravio. O verão lá era muito bom. As crianças aprendiam a nadar de um modo engraçado, porque o mar é fundo e há pequenas rochas. Então prendiam uma corda grossa numa cana ou bambu, com uma lona na extremidade, que era passada e amarrada na barriga das crianças, deixando os braços e pernas livres. Um homem segurava e orientava nos movimentos. Em pouco tempo aprendiam a nadar. Todos se conheciam e quase todos eram parentes. A casa dos meus avós paternos havia sido outrora, um pequeno convento. Era um casarão enorme, com um porão altíssimo onde se guardavam enfileirados, os barris com vinho produzido nos vinhedos, que eles cultivavam e ficavam no meio de um terreno, que eles protegiam do mar, com paredes altíssimas, dividindo em grande hortas, que chamavam de cerrados, onde se cultivavam de tudo, principalmente vinhedos e figueiras. Havia um terreiro enorme de cimento, onde se batia tremoços. No tempo das vindimas, era um trabalho duro percorrer todos os pequenos currais, onde se cultivava a vinha, apanhando as uvas brancas douradas de tão maduras, que eram levadas para o lagar ou alagar, que se encontrava num enorme galpão, onde, com prensas de madeira, em forma de rosca, eram espremidas e o suco, depois de pronto, se transformava num vinho muito bom, dourado como mel. O casarão era à beira-mar, separado deste, apenas por um alto muro, porque em dias de tempestade, não se podia entrar pelo portão principal, o mar não deixava. Então entrava-se por uma estreita vereda, nos fundos do terreno. Uma das tradições pesqueiras das Ilhas, era a pesca da baleia. Hoje faz parte de históiria dos Açores! O Pico era um dos principais produtores, com duas fábricas conhecidas como Armações Baleeiras. Das Lajes e no Cais do Pico, saiam para a caça à baleia.
Geralmente saía uma lancha de apoio a uma porção de pequenos botes a remo, finos e longos, chamados de baleeiras. Eles é que caçavam o cachalote, espécie de baleia comum àquelas águas, que às vezes percorriam distâncias imensas antes de morrer. Então a lancha os rebocava para o porto da fábrica. Era engraçado o modo pelo qual eles sabiam que lá longe passavam um cardume. No cimo dos cabeços, haviam pequeninas casas, onde ficavam os vigias, que com binóculos de longo alcance, viam passar os cardumes, que eram localizados pelos jatos d’água que lançavam. Então quando os localizavam, faziam sinais e lá iam os pescadores, que nem sempre eram bem sucedidos. Da baleia se aproveitava tudo. Os dentes viravam finas peças de artesanato, ainda hoje vendidas nas lojas de souvenir das ilhas. Seus ossos e sua carne, eram transformados em adubo e a sua gordura em óleo, geralmente exportado para a Europa. Até as barbatanas eram aproveitadas para fazer travas de colarinho nas camisas. Vale ressaltar que a pesca era artesanal e que muitos homens perderam a vida, naquela aventura. Ao contrário do que acontece hoje, os mestres-arpoadores ou trancadores, usavam arpões manuais.
Pelo mar do Açores dizem que passavam antigamente muitos navios piratas, que às vezes naufragavam e outras vezes se abrigavam nas enseadas, ou iam em busca de água doce. Há marcas dessas passagens em algumas partes das ilhas, como um cais feito em pedras cortadas, com três pequenos degraus, até à linha d’água e por isso foi dado ao povoado, o nome de Cais do Pico. Em algumas cavernas, com entrada pelo mar, foram encontrados utensílios rústicos. Na parte norte da ilha, se encontram algum pequenos conventos, todos eles construídos à beira-mar, sendo que alguns tinham saídas subterrâneas para o mar. O mais bonito deles e o maior, é o convento de São Pedro de Alcântara, que fica no Cais do Pico. Ele difere dos outros, porque é circundado por amplos jardins. Em forma de quadrado. A igreja tomava um dos lados, tem obras belíssimas de entalhe, feitas em madeira e marfim. Trabalho artezanal feito pelos frades com canivete. Ali funcionavam a Câmara do Concelho de São Roque do Pico e o Tribunal de Justiça. No inverno, havia sessões de cinema, na parte inferior, onde esperávamos num jardim central chamado de claustro, com sua cruz de pedra. Hoje ele é um museu.

Nota da Autora: Escrevo com o verbo no presente, pois saí de lá há 50 anos e quando escrevo vejo-me ainda jovem a vivenciar tudo isto.

diHITT - Notícias

O VELHO CAIS


Autor: Manuel Carapinha

Como esquecer o lugar onde nascemos?

Não é possível!

Nas horas em que estamos em silêncio, pensamos na nossa juventude e dos anos, que já lá vão.

Vivi no Cais do Pico, até aos meus 20 anos, mas hoje recordo com saudade, aqueles tempos de derreter baleia, no porto que agora se chama velho. Ele está lá. Co
mo guardião dos velhos tempos a nos lembrar de um passado de glórias e labuta na "caça à baleia". Foguetes para o ar, Baleia! Baleia! – gritavam. A bandeira está estendida no cabeço de SANTA ANA. Botes para o mar. Lanchas prontas para rebocarem os botes. As esposas dos marinheiros com roupa e uma saquinha, com pão e queijo, feito por estas, do leite de suas cabras, criadas com rama de incenso e faia. Seguiam com seus olhos brilhantes, os maridos que iam há procura do pão, para seus filhos, mais tarde se saberia, que o mestre Manuel Januário tinha apanhado uma baleia. Alegria na casa de derreter. Acendia-se o lume, debaixo dos grandes caldeirões, para quando chegasse a baleia, estivesse tudo pronto para se derreter. Verdade! Sucedia assim,. Começa-se a desmanchar o corpo da baleia. Vários homens com celhas. Cada dois homens, com seu pau de palanca, transportam os toucinhos para os caldeirões, quando estes estão derretidos, o que lhe chamavam torresmos, serviam para dar mais atividade ao lume. Nós, rapazes do meu tempo, lá íamos com maçarocas de milho e rodelas de batata doce, para assar no azeite, como era chamado o óleo de baleia. Era muito bom! A casa de derreter ficava situada ao lado da rampa de varar as embarcações. Ao seu lado direito, olhando da terra para o mar, ficava a casa de derreter. Tempo que não mais me esqueço. Em frente da casa de derreter estava a Alfândega, casa de altos e baixos. Os baixos, servindo de armazém de mercadorias, este vigiado pela Guarda Fiscal. No lado, passava a estrada e em frente, ficava o varadouro. Ai havia a loja do Senhor JOSÉ TOMÁS, onde os marinheiros lá iam comprar os seus cigarros e tomar um copinho. Pobreza, alegria de viver, corações vibrando, esperando o fim de ano para fazerem as contas e receber sua soldada, para comprar seu milho para os alimentar no ano seguinte. - Tudo bem; - diz o Senhor JOSÉ MARIA, vindo da América. Rapazes, não esperem muito, porque essa pesca à baleia é comparada com o ovo. O Guarda Fiscal Cota, sem entender nada, pergunta; - como assim? É fácil, a gema é para o patrão, a clara é para pagar os combustíveis e as cascas para vocês baleeiros. Assim termino com “recordar é viver”.

Um abraço ao Velho Cais.

Email do Manuel Carapinha




diHITT - Notícias