Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

sábado, 4 de abril de 2009

O MEU PICO

O MEU PICO
Autora. Amélia Ernestina de Avelar

Pico, meu Pico, eis-te agora.
como eu gosto de te ver,

a fronte dominadora
sem tristes véus a erguer!
Rasgou-se o manto cinzento
que envolvendo o firmamento
quási inteiro te escondeu,
e teu talhe aprimorado
lá vou vendo desenhado

no límpido azul do céu!

Ó Pico, assim imponente,

que graça tens a ostentar,
quando luz do sol poente
vem tua fonte dourar!
A águia leve voando,
soberba os ares cortando,
não tem maior altivez;
nem o pinheiro gigante
lançando olhar triunfante
às árv´res que tem aos pés!!..

Como eu te vejo, enlevada,

teu véu de ouro cobrir!
que linda cinta nevada
vem o teu colo cingir!
Dize-me tu – não se acha
doce augúrio nessa faixa
de transparente, alvo tul’ ?

Não prediz ela bonança
num prado cor de esperança,
num céu azul, muito azul?

Prediz-nos serenidade
no espaço, na terra e mar;
fala-nos na suavidade

dumas manhãs d’encantar!..
Mas sombrio capacete,
Se acaso cobre, promete,

profetiza o temporal;
a guerra dos elementos,

a fúria solta dos ventos
destruidora, inda mal!

Mas hoje não é meu Pico
o profeta ameaçador!
Hoje extasiada fico
diante do seu primor.
Hoje é lindo panorama
que as vistas atrai e chama

com atractivos sem fim!
Toda a graça que aproveita
toda a beleza que ostenta,

tem sempre encanto p´ra mim.

Já, caprichoso monarca
descoberta eleva a fronte

nessa altura donde abarca
extenso, vasto horizonte;
e já de lírios cingido

o diadema tão lindo
a faixa cinge também;
se tênue véu azulado
lhe cai aos pés desdobrado
que graça ainda não tem!


Quando a madrugada apenas
principia a alvorecer,
entre jasmins e açucenas
gosto também de o entrever,
e depois, ao sol surgindo,
que parece descobrindo
vir despertá-lo a sorrir,

nas asas leves da aragem,
qual dos cisnes alva plumagem,

seu véu ligeiro fugir.

Oh! Pico, Pico, ness’hora
que belo assim és então!...
Mas quem não te vê agora

com maior admiração?!
pela luz do sol no poente,
dourada a fronte imponente,

num céu que puro ficou,
és um quadro majestoso
que vejo de ar orgulhoso
qual tua filha que sou!


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Amélia Ernestina de Avelar, poetisa Açoreana nasceu na Vila da Madalena, na Ilha do Pico, Açores, no dia 1º de maio de 1848. Filha de José Inácio Soares de Avelar e de Maria Aurora de Avelar.
Integrada na “Escola Romântica”, corrente literária do final do século, seus poemas tomam formas sentimentais. Eles refletem basicamente seu tempo e sua ilhas queridas.
Deixou um livro manuscrito, intitulado Ensaios Poéticos, onde inclui u dos mais belos poemas “O meu Pico”, Em 1870, sua obras, Flor de Giesta, Canto da Noite, A Saudade, Longa da Pátria e o Mar, chegam aos periódicos Faialenses.

O poeta Osório Goulart assim escreve sobre sua obra: - “Foi uma poetisa que usou brilhantemente os adereços literários do seu tempo...”
O escritor Ernesto Rebelo, que foi contemporâneo de Amélia Avellar, no livro de sua autoria “Notas Açoreanas” tem a seguinte apreciação: - “Inspiram-na porém os mais doces sentimentos d´alma e porventura os esplendidos panoramas que a natureza oferece naquela vulcânica ilha”.
O professor Ruy Galvão de Carvalho ao referir-se a ela diz: - “Os seus versos são reveladores de uma alma dotada dos mais doces sentimentos”.
Romântica e sonhadora, com sua poesia espontânea, expõe com naturalidade a sua época.
Em 26 de julho de 1878, casou com Antonio Mariano César Ribeiro, então Coronel do Exército Português.
Amélia acompanha o marido ao Ultramar, onde este serviu durante algum tempo na província de Angola, em Moçâmedes e na capital, Luanda. Dedicou grande parte da sua vida às letras e, aos doze anos, apresentava em público, as primeiras composições.
Faleceu a 13 de outubro de 1886 em Angra do Heroísmo - Açores.

Links relacionados:
Biblioteca Nacional de Portugal
Persitência de uma saudade. Sobre uma "doença" açoreana. Chamada Saudade.
Universidade Nova Lisboa. Faces de Eva.

Notas do meu retiro - Ermelindo Ávila
Literatura Açoreana.
Jardim das Letras
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