Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

domingo, 14 de outubro de 2012

O SUBMARINO QUE FUNDEAVA NO CAIS DO PICO


 Autor: Francisco Medeiros
                                                                      
Li quase sem parar o livro de Manuel Paulino Costa, U-Boats nos Mares dos AçoresBatalha do Atlântico 1939-1945.
O livro descreve uma parte da História do Pico e Faial, de uma maneira muito particular, a Ilha do Faial pela importância do seu Porto artificial, onde foi instalada uma base naval Inglesa de apoio aos navios aliados que cruzavam o Atlântico Norte.
O Porto da Horta está por isso intimamente ligado à História da II Guerra Mundial.

Vivi na Horta e nos últimos dois anos da Guerra, de certa forma tomei parte na atividade que se desenvolvia no seu Porto, muitas vezes cheio de navios. Veio-me à memória aquele fervilhar de gentes, uma época alta no desenvolvimento económico da ilha, com destaque para o todo comércio local.
U-boat 14  "O lobo solitário"
Das empresas Bensaúde e Fayal Cool de apoio à navegação para abastecimento e das oficinas de reparação naval, com numerosos profissionais de renome, chefiadas por mestres de rara competência, várias vezes referenciados pelos países da nacionalidade dos navios ali reparados, algumas merecendo engenho e arte bastante complexas. Estão neste caso os navios Hororata, que foi torpedeado a 200 milhas ao largo das Flores sofrendo um rombo e a colocação do hélice no Aurora trabalhos estes que hoje só seriam possíveis de realizar em doca-seca.

Repararam-se centenas de navios, alguns com avarias resultantes de ataques em operações de guerra.
Corveta Chanticleer, ao largo do Pico
Do Navio-tanque Empire Garden, amarrado no meio da baía, que abastecia os navios de guerra estrangeiros e da Corveta Chanticleer, atracada entre o plano inclinado e o cais onde se situavam os armazéns da Bensaúde e Fayal Cool para abastecimento de carvão a navios.
Do relato de frotas envolvidas na Batalha do Atlântico, durante a II Guerra Mundial, Manuel Paulino tem pormenores que não conhecia do salvamento de um tripulante Alemão, dum submarino afundado ao largo da freguesia da Candelária da Ilha do Pico. Este contato entre picarotos e submarinos alemães relembrou-me outras histórias que me contaram.
Até à metade da década de 50 do século passado, o óleo de baleia era carregado em bidons para o estrangeiro  através do Continente, mas após a Segunda Guerra Mundial, passou a ser carregado diretamente para o estrangeiro em navios tanque. Para isso foi instalada uma linha de tubos [pipe-line], montados sobre pequenas jangadas flutuantes, que se podem observar no Museu da Indústria da Baleia. Idêntico procedimento foi levado a efeito em Santa Cruz das Flores e nas Lages do Pico. Quando cheguei ao Cais do Pico e assumi as funções de prático do Porto, em Janeiro de 1960, amarrei vários navios junto à Rampa da Fábrica das Armações Baleeiras Reunidas, Ltdª. para mais facilmente carregar óleo de baleia.
Um dos primeiros navios/tanque que ali carregaram óleo de baleia, mas na década de 50, anteriormente à minha chegada, era de nacionalidade alemã, tal como quase todos os outros. Quando o navio chegou ao Cais do Pico, o José Cristiano de Freitas e Sousa, mais conhecido pelo José Cristiano Novo foi a bordo acompanhado de um intérprete, para indicar onde o navio devia posicionar-se para carregar o óleo. O Comandante iniciou a manobra e posicionou o navio facilmente onde ele pretendia, como se conhecesse a baía.
Toda esta manobra foi presenciada por muitas pessoas entre as quais muitos marítimos, a quem causou admiração, dado que se tratava de uma manobra que requeria conhecimento de fundos e baixios!
Contou-me o José Cristiano que, depois do navio estar amarado, perguntou ao Comandante do seu à vontade ao fazer a manobra, tendo tido como resposta que durante a Segunda Guerra, era oficial de um Submarino que tinha fundeado na Baía várias noites para descanso da tripulação e por isso conhecia muito bem a baía.
Uma outra aproximação de um Submarino, deu-se junto à costa da freguesia Candelária na marca onde as embarcações de pesca do Porto do Calhau, durante o dia e noite pescavam aos chernes.
Contou-me meu sogro, António Garcia Goulart, mais conhecido por Mestre António do Calhau, que durante a Guerra estava no seu barco à pesca, quando um dos pescadores que estava com ele disse: Está ali o caixote por cima do mar. Puseram-se todos de pé a olhar e repararam que caixote fazia reflexo do Sol. Um deles disse, vamos ali ver o que é mas quando se preparavam para se aproximar do caixote, este começou a andar para fora com certa velocidade fazendo um risco à superfície do mar acabando por desaparecer.
Adicionar legenda
No Tempo da Guerra, pescavam toda a noite indo amanhecer ao Faial para vender o peixe onde era mais lucrativo. Meu sogro quando foi pagar o dízimo ao Posto da Guarda Fiscal, contou o avistamento do caixote ao Cabo que estava de serviço, tendo este lhe dito que se trataria do periscópio de um submarino.
O Livro de Manuel Paulino Costa é mais uma obra que muito contribui para o reavivar de memórias e um contributo importante para a História destas Ilhas e da sua ligação à II Guerra Mundial!


Vila de São Roque do Pico
Outubro de 2012

Nota do WebMaster David Avelar - Eu e meu primo Francisco Medeiros, compartilhamos pela mesma fascinação pelo mar e tudo o que flutua ou submerge. O filme "Caçada a Outubro Vermelho", o clássico protagonizado pelo ator Sean Connery, é um exemplo. Eu já assisti umas 20 vezes, sem exagero.

Obra literária do autor:
Homens de Olhos Encovados & Outras Estórias de Homens do Mar



2 comentários:

  1. Apreciei muito esta sua lembrança de outros tempos e a forma emotiva como a descreve.
    Obrigada pela partilha e pela preservação de memórias que o futuro apagaria.
    Patrícia Portugal

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  2. Apreciei muito esta sua lembrança de outros tempos e a forma emotiva como a descreve.
    Obrigada pela partilha e pela preservação de memórias que o futuro apagaria.
    Patrícia Portugal

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